PRIVACIDADE E TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

PRIVACIDADE E TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Alguma vez, você já fez uma compra e, depois disso, teve a sensação de receber anúncios de outras empresas de produtos e serviços correlatos?
Em algumas hipóteses, tal prática pode configurar violação a direitos da personalidade, podendo a empresa causadora do prejuízo ser condenada ao pagamento de indenização ao consumidor.

Preste atenção, pois o dano moral, a conduta e o nexo causal precisam estar claramente demonstrados. Além disso, não significa que toda vez que acontece uma situação semelhante pode gerar indenização, pois pode existir, por exemplo, o consentimento do cliente para o tratamento de dados, o que afastaria a responsabilidade.
Vamos expor um caso específico em que uma incorporadora e construtora de imóveis residenciais foi condenada, em primeiro grau de jurisdição, ao pagamento de dano moral a cliente que demonstrou violação a direitos da personalidade.

A narrativa dos fatos: o consumidor firmara, com a empresa Cyrela, contrato para a aquisição de unidade autônoma de empreendimento imobiliário. Tal contrato previu a possibilidade de inclusão de dados do comprador para fins de inserção em banco de dados (“Cadastro Positivo”). Até aí, tudo bem.

Acontece que esse consumidor, pelo fato de ter adquirido o imóvel da Cyrela, começou a ser importunado por terceiros, como instituições financeiras, consórcios, empresas de arquitetura e de construção, e de móveis planejados.

Contudo, no contrato firmado com a Cyrela, inexistia informação sobre o uso dos dados para esses outros fins. Por isso, entendeu-se que houve utilização para finalidade diversa, sem informar adequadamente o consumidor.
Percebe-se a incompatibilidade entre o tratamento realizado e a finalidade informada ao titular dos dados, o que está em desacordo com o princípio da adequação (art. 6º, II, LGPD).

Pelas provas produzidas no curso do processo, a douta juíza de primeiro grau entendeu que houve responsabilidade da empresa Cyrela, seja por ter permitido e tolerado (conduta omissiva) ou por ter promovido (conduta comissiva) o acesso indevido a dados pessoais da parte autora por terceiros.
Constou na sentença que a parte autora foi assediada por diversas empresas, e o dano, na hipótese, decorreu do próprio ilícito — o que, no “juridiquês” chamamos de in re ipsa — constatando-se violação a direitos de personalidade (intimidade, privacidade, nome).

O caso narrado se refere aos autos n.º 1080233-94.2019.8.26.0100 e foi julgado, em primeira instância, pela Juíza Tonia Yuka Koroku, da 13ª Vara Cível de São Paulo, em setembro de 2020. Ganhou fama no meio jurídico por ser uma das primeiras (senão a primeira) decisão em São Paulo com fundamentos na Lei Geral de Proteção de Dados. Atualmente, está em sede recursal e será julgado pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Foi incluído (17/06/2021) mas logo em seguida retirado (29/06/2021) da pauta, e, atualmente, está concluso aguardando manifestação do relator.

Narrou-se o caso apenas para ilustrar uma situação envolvendo o tratamento de dados. Para o foco deste texto, discussões acerca da aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados, por conta da irretroatividade das normas, são deixadas de lado.

Por fim, considerando os avanços legislativos, especialmente com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), espera-se mais respeito à privacidade, assegurando a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem.

Helen Yumi Horie
OAB/PR 107.599

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