DO DANO MORAL PELA SIMPLES COMPRA DE ALIMENTO INDUSTRIALIZADO COM A PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO

DO DANO MORAL PELA SIMPLES COMPRA DE ALIMENTO INDUSTRIALIZADO COM A PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO

Durante muito tempo, houveram diversos embates jurídicos e divergência de entendimentos no próprio Superior Tribunal de Justiça no sentido de aferir se havia dano moral indenizável em decorrência da presença de corpo estranho em alimento industrializado – mesmo quando aquele sequer chega a ser ingerido pelo consumidor.

De início, a jurisprudência da Terceira e Quarta Turma do STJ, que tratam de Direito Privado (Direito Civil e Empresarial), era unânime do sentido de que havia dano moral naquelas hipóteses em que o corpo estranho contido no produto alimentício industrializado tivesse sido consumido, ainda que parcialmente, em condições impróprias, ante o potencial lesivo à saúde do consumidor. Ou seja, para caraterização do dano moral, era necessário o consumo efetivo (ingestão total ou parcial do produto).

Em seguida, a jurisprudência da Terceira Turma começou a evoluir seu posicionamento para reconhecer o dano moral indenizável também nos casos em que o referido produto de gênero alimentício com corpo estranho sequer chega a ser consumido, sob o argumento de que, mesmo em tais casos, havia exposição do consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, caracterizando-se o dano moral pela ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada.

No entanto, ignorando a proposta de superação de jurisprudência, a Quarta Turma mantinha firme o seu entendimento de que “para se aferir a configuração dos danos morais em razão da presença de corpo estranho em produto alimentício, é necessário comprovar a ocorrência da sua ingestão pelo consumidor".

Assim, para dirimir tal divergência, a Segunda Seção do STJ, através do julgamento do Recurso Especial nº 1.899.304/SP – realizado em 25 de agosto de 2021, estabeleceu, por maioria, o entendimento de que é irrelevante a efetiva ingestão do alimento industrializado contaminado por corpo estranho (ou do próprio corpo estranho) para a caracterização do dano moral, visto a compra do produto insalubre é potencialmente lesiva à saúde do consumidor.

Abaixo, porquanto bem didática e coloquial, estarão expostas as principais razões consignadas pela Segunda Seção do STJ na ementa de julgamento para resumir a motivação da adoção do supracitado entendimento e resolução do impasse jurisprudencial entre a Terceira e Quarta Turma:

A Emenda Constitucional nº 64/2010 positivou, no ordenamento jurídico pátrio, o direito humano à alimentação adequada (DHAA), que foi correlacionado, pela Lei 11.346/2006, à ideia de segurança alimentar e nutricional. Segundo as definições contidas na norma, a segurança alimentar e nutricional compreende, para além do acesso regular e permanente aos alimentos, como condição de sobrevivência do indivíduo, também a qualidade desses alimentos, o que envolve a regulação e devida informação acerca do potencial nutritivo dos alimentos e, em especial, o controle de riscos para a saúde das pessoas. Nesse sentido, o art. 4º, IV, da Lei 11.346/2006 prevê, expressamente, que a segurança alimentar e nutricional abrange “a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos”. Ao fornecedor incumbe uma gestão adequada dos riscos inerentes a cada etapa do processo de produção, transformação e comercialização dos produtos alimentícios. Esses riscos, próprios da atividade econômica desenvolvida, não podem ser transferidos ao consumidor, notadamente nas hipóteses em que há violação dos deveres de cuidado, prevenção e redução de danos. A presença de corpo estranho em alimento industrializado excede aos riscos razoavelmente esperados pelo consumidor em relação a esse tipo de produto, sobretudo levando-se em consideração que o Estado, no exercício do poder de polícia e da atividade regulatória, já valora limites máximos tolerados nos alimentos para contaminantes, resíduos tóxicos outros elementos que envolvam risco à saúde. Dessa forma, à luz do disposto no art. 12, caput e § 1º, do CDC, tem-se por defeituoso o produto, a permitir a responsabilização do fornecedor, haja vista a incrementada – e desarrazoada – insegurança alimentar causada ao consumidor. Em tal hipótese, o dano extrapatrimonial exsurge em razão da exposição do consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e à sua incolumidade física e psíquica, em violação do seu direito fundamental à alimentação adequada. É irrelevante, para fins de caracterização do dano moral, a efetiva ingestão do corpo estranho pelo consumidor, haja vista que, invariavelmente, estará presente a potencialidade lesiva decorrente da aquisição do produto contaminado. Essa distinção entre as hipóteses de ingestão ou não do alimento insalubre pelo consumidor, bem como da deglutição do próprio corpo estranho, para além da hipótese de efetivo comprometimento de sua saúde, é de inegável relevância no momento da quantificação da indenização, não surtindo efeitos, todavia, no que tange à caracterização, a priori, do dano moral.

Portanto, atualmente, caracteriza-se dano moral indenizável pela simples presença de corpo estranho em alimento industrializado – ainda que não tenha havido a ingestão deste alimento contaminado por corpo estranho (ou do próprio corpo estranho), sendo relevante a comprovação de eventual deglutição (consumo total ou parcial) apenas para melhor quantificação do valor devido a título de indenização.

Para mais informações, sinta-se à vontade para entrar em contato com a equipe da Veros Consultoria pelo endereço e telefone ao final da página.

ADRIANO DIAS DE FREITAS

OAB/PR. nº 91.152

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